Lembranças de família

A igrejinha de Araucária e a Dama de Ferro que era dona de casa

Morei em Araucaria/PR com Luthero, nosso primeiro bebê e a família de origem dele. Lavei fralda no poço, tomei banho de bacia, assisti Pai Herói forçada pois só ficava a TV da sala (única na casa de madeira) acesa a partir das 20h, dormi espremida num sofá, entre um marido de 1,90 e o bercinho de minha filha, na mesma sala (eu não tinha um quarto meu caso.me sentisse mal, o que era frequente pois sofri uma vida de enxaqueca e cólicas menstruais fortíssimas, apesar que as cólicas foram embora após o primeiro parto, e a enxaqueca não desse as caras de forma constante ou grave em períodos felizes, como sempre foi o caso de viver um relacionamento feliz, o que era o caso aqui) com um acolchoado de penas (alguém já sentiu o peso e a quentura desse “trem”?; eu tinha 22 anos, fazia laboratório de mamadeira (uma panela imensa dentro da qual havia uma estrutura de plástico, na qual eram inseridas até 6 mamadeiras de ponta cabeça e na parte superior iam os bicos, para ferver, e a segunda leva era das chupetas que depois iam para um pote, conforme ela derrubava uma no chão ou encostasse em qualquer coisa onde podia haver um miserávi de um micróbio, a chupeta contaminada era substituída (a mesma maluquice fiz para meu filho, ambos largaram a chupeta juntos (para o papai Noel, sabe como?), a rotina era diária, as mamadeiras com leite infantil ficavam na geladeira, depois cada uma era esquentada em separado num aparelho próprio para esquentar mamadeiras que ligava na tomada, meu sogro ficava espantadissimo da minha precisao com as mamadeiras e chupetas, ele ria muito daquilo  e acompanhava os trâmites sagrados no “laboratório”, no caso a cozinha mais que sagrada de minha sogra que achava tudo bobagem mas respeitava ESSA PARTE (apenas essa ok gente?) de minha maternidade, porque o resto era com ela, tirar meu bebê do berço (e decidir que era hora de levantar bem como decidia a nossa hora (minha e da minha filha) de dormir, era ela quem esperava o Luthero chegar no último ônibus, sempre aflita na janela. Eu portanto não era muito tratada como esposa do dito cujo, percebam, na real eu era o empecilho entre meu bebê e ela, entre seu filho amado e ela.Ela dava o banho na Li (SÓ ELA dava os banhos), me entregava (acho que me deixava escolher a roupinha porque senão creio que eu teria um chilique, ou não também?) para amamentar e ficava controlando o tempo de cada peito, sentada diante de mim! Dona Lídia, esse ser fantástico e grandemente funcional, nunca a peguei numa deprezinha, ou procrastinando qualquer coisa, foi a mulher mais ativa que conheci na vida, decidida, se metia em tudo, sua filha me contou sua triste história no seu leito de morte, aos 50 anos, Sueli, até hoje sua história me dói, e sobretudo hoje uma história como a sua não cabe mais no nosso mundo de lutas (e vitórias) LGBTQIA+; d. Lídia, a grande general que conheci na vida!, e hj sei o quanto certos homens admiram e precisam de uma mulher-general nas suas vidas, creio até que a entrada masculina no que Camile Paglia chama de fenômeno eunuco, ou algo assim, se deve em parte a perda dessa figura, uma vez que as generalas exercem hj sei talento nas empresas e não mais em casa. Ou seja, elas não cuidam mais da casa e da agenda de um “pequeno grande homem”, elas ja não se interessam por eles se elas podem SER eles e aliás,vde forma muito mais eficiente.

Dona Lídia foi uma Margareth Tatcher dona de casa, vcs entendem? Que desperdício de talento e disposição! Cabia-lhe impedir sua filha adotiva de ser quem era, de amar quem desejasse, de sair de casa e trabalhar pois a Sueli era seu “braço direito” na organização da casa. Sueli morreu de câncer sem nunca ter saído para o mundo. E o interessante dessa história é como o Luthero, um homem de teatro, que convivia com tantas mulheres liberadas e inteligentes, feministas portanto, podia não perceber a diferença entre sua irmã e elas, sua mãe e elas, podia não se questionar sobre essa ordem de coisas e, pior, desejava me colocar, a mim que encontrou fugida no Rio de Janeiro, com a única intenção fixa de me tornar uma atriz, no lugar e no papel de sua mãe e tentava me impedir de tirar minha DRT e também de me expressar por palavras e de ter sexo com ele! Daí dá para entender que meu casamento foi mesmo um trauma e que não tinha como durar, se durou 5 anos foi por motivo de força maior, como ter dois filhos pequenos e blablabla. Essa é outra história.t

A minha sogra entrava na sala, feita de quarto de casal a noite,  porque que não tinha portas, entrava sem avisar  (o interior da casa era separado por cortinas apenas)  em qquer minuto de nossa intimidade,  como se quisesse mesmo impedir o sexo (mal sabia ela (e ele) que taí um troço que ninguém tem a capacidade de me impedir, ou distrair, ou emperrar -outra hora falo melhor sobre isso, do quanto o cara que está comigo não consegue escapar da minha cama, portanto sempre é aconselhável pensar duas vezes antes de se envolver com está figura, já velha agora, é verdade, mas ainda assim ciosa de seus direitos ok, não me namorei se vc busca uma “companheira” de passeios ou ouvinte ou plateia ou mãe ou irmã ou qualquer coisa que não preveja a grande amante que eu sou- e olha só como o papo já se desviou, era só pra comentar da igrejinha de Araucária e em como me produziu nostalgia (perceba que não uso a palavra portuguesa saudade) , se no inverno, naquela casa dos Almeida, comíamos pinhão assado no fogão a lenha, enquanto minha cunhada bordava lindos panos de prato, e meu sogro “prosava” contando “causos” da roça, e lendas como se fossem verdadeiras, como do boi Tatá. Não a toa o ator Luthero de Almeida se tornou um grande contador de histórias de terror para crianças, e como nossos filhinhos amavam aquelas histórias! Metiam-se debaixo das cobertas na nossa cama, tremendo daquele medo com prazer que só se sente no teatro ou no cinema, enquanto o pai ia contando (e interpretando) uma estória improvisada de terror.

Sim, tenho saudades dessa parte, aqui já estávamos na nossa casa, na João Parolin, tenho muitas saudades, filhos, do amor e da alegria de estar juntos que imaginei que jamais ia ter fim.

Hoje estamos todos separados. Luthero com sua Rute (muito mais próxima da aura de d. Lídia), sua alma gêmea, eu diria. Meus filhos com suas famílias formadas, em outras cidades, eu nesta cidade de praia, não nos veremos no natal e quer saber, nem nos falaremos, com meu filho só, talvez.

Tudo que vivi naqueles anos naquela casa próxima da igrejinha de Araucária, uma cidade que, a noite, fedia daquele gás exalado pelas indústrias da Shell e de outras, ttnha que ser por muito amor mesmo, e era. Hj sinto essa nostalgia, não é saudade porque não desejaria ter vivido nada daquilo, eu queria na época ter tido foco no meu projeto que era ser atriz no Rio de Janeiro, aquela cidade, sim, foi lá que me encontrei, e unicamente lá, em qualquer outro lugar por onde andei (andei por poucos lugares) não me encontrei nas pessoas, porque.so morei, fora do Rio,  no Paraná,vê sou uma paranaense sem alma de paranaense, eis a real.

Oos moradores daquela casa que me acolheu estão mortos, os pais e a filha. Não vejo mais os outros dois, tudo passa, crianças, o amor passa, os filhos passam, o amor dos filhos pode passar, saibam, todo amor passa se vc não é servil, o que ficar será mesmo o amor; as obrigações passam e até a memória vai passar. Depois (por vezes antes) passamos nósImagem e texto de "rodapé" de Luiz Renato Roble, no Facebook, em 2024

eu_dalia

Izabella Zanchi, multiartista multimeios brasileira, atualmente cria e publica o zine Eu,Kxorro.com em diversas plataformas e têm o carro chefe do mesmo, o e-book Me Fez De Homem Na Cama & Me Bloqueou No Instagram em pré-venda na Amazon (lá está na série Eu, K.)
Zanchi é curitibana de 1956 e atualmente vive em Pontal do Paraná, litoral do estado, no sul do país.

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